domingo, 1 de junho de 2008

Se te queres matar, mata-te.

A Santa cantava alto no meu radinho, abafando os gritos de dor da vizinhança. Fui até a varanda, na rua corriam crianças, os carros chegavam com as sirenes nas alturas, a rua parava pra ver, o porteiro me gritava lá no play. Chamei o elevador, ele não veio. Desci correndo as escadas enquanto amarrava o vestido. Corri entre os carros e, debruçada no para-peito da garagem, me arrependi de ter estado ali. Havia um homem estendido no chão do prédio em frente. Miolos, sangue, lágrimas ... tudo escorrendo, sujando as pessoas que ali choravam, que prestavam socorro e aquelas que pararam pra ver /é tão cruel a curiosidade humana. Eu via a viúva implorar aos céus, ela pedia que o tempo voltasse. Eu via alguém falar de uma criança - era aniversário do menino. Eu via o pessoal da igreja ao lado falar em heresia. Eu via a polícia procurando culpados ou certificando a ausência destes. Acidente? Proposital? E eu me via solta em perguntas que ninguém ira responder. Quantas vezes ela disse não viver sem ele enquanto ele ainda vivia? Quantos aniversários do filho ele não passou na janela olhando lá pra baixo? Quanta dor leva alguém a se render assim? Quantas vezes Deus parou pra confortá-lo? Quem tem culpar em querer morrer? Eu, olhando aquele homem morto, só queria falar em hipocrisia. Este homem, com nome e família, teve a coragem pra fazer aquilo que todos nós planejamos durante o banho.
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Vivam e ouçam Álvares de Campos na voz de Autran.

7 comentários:

Raisa Bastos y Rodrigues disse...

Mas não tente se matar,
pelo menos essa noite não!

Daniella Souza disse...

É...

"Teve a coragem pra fazer aquilo que todos nós planejamos durante o banho."

Juca Lordello disse...

A morte é a única certeza [incerta].
Viver é a incerteza [mais certa ].

'Me deixe aqui neste bar tomando conhaque, porque eu sei, que mas tarde estarei em outra esquina provando vinho.'

É covardia acelerar todos os processos de biológicos humano.

Juca Lordello disse...

ps: retira o 'de'*

Victor Moraes, disse...

Covardia é não fazermos o que queremos com o que é nosso. Vida.
Coragem é proporcionar a alma um novo começo longe da lama.

Raisa Bastos y Rodrigues disse...

Entre certas incertezas e certezas incertas a escolha me parece óbvia.
Porém, nem tudo tão claro é, proporcionalmente, tão fácil.
Da covardia, da coragem, das escolhas, das ações ... é da vida!

Da alma, da lama; tem sido [da minha] vida.

Anônimo disse...

ui, pecadora.

Lilith

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25 anos de sol em leão. queria voltar ao tempo em que era cool escrever letra de música no perfil / cozinha, escreve, pratica boxe e é jornalista nas horas vagas / acha que "transtornada" é um nome muito bacana para quem tem TDAH, eu tenho.