e eu ainda fito o teto. como se qualquer resposta pretendesse despontar do oitavo andar e, escorrendo pelo lustre, iluminar minhas questões. eu ainda espero respostas. há um e-mail. um convite. uma língua. um estorvo. duas fatias de pizza na embalagem pra viagem. eu leio os nomes que já decorei, decoro números que não vou chamar, chamo quem não devo. eu ainda invoco o passado. amanhã vai chegar em dois tempos e eu ainda troco de lugar as peças no meu passado maquete. e engulo as bordas recheadas da minha pizza favorita. porque é assim que eu sou, é disso que eu gosto: beiradas. se gosto, mordisco. me visto profunda, visceral, engajada, mas me preencho superfícies. lambo os dedos, finjo saciedade, movo as peças do meu passado maquete. se eu estivesse nesse e não naquele cômodo, não nua. supor é tão futebol de botão, arriscar é morte súbita. e eu engulo quilometros de bordas recheadas. eu me boicoto. tenho uma alma gorda de restos de pizza e de livros que li e de amores que cessaram sem acabar. eu interrogo o teto em gesso rebaixado, quantas firulas. gosto de bordas recheadas e firulas. na falta de deus, meu teto é tão alto, tão firme, tão protetor, tão concreto. tão digressivo - pudera, estou morta de sono. não durmo, não desgrudo os olhos do teto. não quero que todas as respostas do mundo escorram do oitavo andar, me enxarquem e - antes que eu as sinta e acorde e as decore - sequem. e aí eu fito o teto. gosto de bordas recheadas, firulas e do teto. gosto de olhar pra longe de mim. mas eu me acompanho de perto. eu não me largo. madrugada, fito o teto, como a pizza pelas beirdas, faço finta, firulas em volta do meu próprio umbigo. pergunto em primeira pessoa. não respondo. não durmo, estou morta de sono. são 03:16 a.m. e eu vou fitar a mim num sonho.
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